É com bastante apreensão que verifico, ano após ano, o aumento das vagas nos cursos de Medicina nas Universidades portuguesas. Quem conhecer o meio reconhecerá facilmente que esta medida, embora acolha elogios generalizados da população, não é mais do que a materialização de uma política mais abrangente. Com efeito, a classe médica está neste momento a ser alvo, depois dos professores e dos advogados, da estratégia de aumentar em excesso a oferta de profissionais. Isso permite ao Governo introduzir medidas no sistema de saúde que não seriam possíveis sem um enfraquecimento premeditado da classe médica. Além disso, a médio e longo prazo, poderá vir até a reduzir os custos com remunerações. A grande questão que me preocupa não é, de modo nenhum a introdução de medidas impopulares para os médicos na reforma da saúde. Antes pelo contrário, penso que elas são importantes e devem ser implementadas para por fim a abusos que todos conhecemos (e que são transversais à função pública). A minha preocupação situa-se nos efeitos graves que o enfraquecimento do poder da classe médica poderá vir a ter na relação médico-doente. Qualquer acto médico tem que ser centrado numa relação de confiança entre o doente e o médico, relegando a instituição hospitalar para um papel de suporte e de integração dos cuidados de saúde. No entanto, o que se tem vindo a assistir é uma transformação progressiva do médico num técnico que presta unicamente um serviço numa empresa (hospital) a um cliente que a ela recorre (doente). A relação médico-doente está assim a ser substituída pela relação hospital-cliente. Receio que esta alteração, embora possa ser atraente para alguns decisores políticos, não beneficie médicos ou doentes.