2.11.05

Apodrecimento

O que eu considero chocante em casos como o de Fátima Felgueiras não é propriamente o facto de, apesar de ter fugido à Justiça e de estar envolvida num processo judicial por alegadas práticas ilícitas, ter sido aclamada pelo povo de Felgueiras e ter sido reeleita. Isso, por si só, já é um sinal bastante grave que revela muito sobre o carácter do povo português. As causas para essa triste realidade são profundas e estão associadas a factores sociais e históricos concensuais. Enfim, é a realidade que se vive no Portugal profundo e que nem sempre é percebida por quem vive nos meios urbanos.
No entanto, o que para mim constitui motivo de forte apreensão é verificar que neste País nem mesmo as elites sociais, culturais e políticas estão a salvo de uma degradação cada vez mais evidente. A Justiça é o exemplo mais grave, pois o seu mau funcionamento é estrangulador de toda a Sociedade uma vez que favorece a impunidade e estimula o não cumprimento da lei. A Justiça não é uma entidade meramente abstrata a que se possa atribuir, de uma forma quase fatalista, a responsabilidade desta situação. Perante a sucessão de casos vergonhosos de prescrições, erros processuais, violações do segredo de Justiça, que se somam a uma percepção geral de lentidão extrema e de custos elevados para o cidadão comum, é incompreensível como os responsáveis pela Justiça não tomam atitudes firmes e, se necessário, radicais para alterar a situação. É que, se as coisas continuam assim, e se os Tribunais continuarem a encarar os casos judiciais como meros algoritmos processuais, perdendo completamente o sentido de Justiça, estarão criadas as condições para a completa ingovernabilidade do País.

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