3.4.06

Lições de vida

Francisco nunca foi um rapaz brilhante. Sempre lhe custou acordar de manhã para ir para escola, preferindo mil vezes enfrentar uma tarde a ajudar o pai no campo, a digladiar-se com uma equação ou um texto.
Por via disso, sempre aprendeu muito mais com os amigos na rua do que com os professores, nas aulas. Assim, desde cedo, o Chico começou a ver a vida com olhos adultos e desenrascados, compensando com a esperteza dos que se fazem a inteligência e o saber dos que estudam.
Foi por tudo isto que não ligou aos que lhe diziam que se deixasse a escola tão cedo nunca seria ninguém na vida. Ele sabia que não era preciso estudar para ter dinheiro e poder dizer que sim aos desejos que cada vez mais povoavam a sua cabeça. Apenas precisava de um pouco de engenho e matreirice. E isso sobrava-lhe, desde os tempos em que ganhava os berlindes todos aos amigos, fosse por que meio fosse. Sempre foi o único do grupo que nunca tinha sido apanhado a roubar fruta da árvore do Zé da Quinta, apesar de ser o que mais vezes lá ia. Até lhe achavam piada por isso. Era daqueles que nunca fazia o que lhe mandavam, mas conseguia safar-se sempre por cima.
Os anos passaram, e o Chico que tinha começado por ser operário da construção civil, decidira avançar por conta própria. O trabalho não faltava e a mão-de-obra barata que vinha de leste aguçava-lhe o brilho dos olhos só de pensar no que podia ganhar. Afinal, a matemática não era tão difícil…
O esquema era simples, fazia uma sociedade e apenas contratava imigrantes que estivessem legais. Assim, não havia inspecção que o chateasse e os vodkas (como lhes chamava) sempre trabalhavam melhor, na segurança de que tudo estava como mandam as regras.
Acabada a obra, recebia o que tinha direito e desaparecia sem deixar rasto, deixando os trabalhadores agarrados aos seus contratos de papel, na esperança que isso lhes devolvesse o resultado de tantos esforços e privações, quando deparavam com a sede da sociedade abandonada e sem bens.
O Chico não tem tido razões de queixa da vida. Anda num Mercedes, último modelo, viaja por onde quer e não lhe falta dinheiro para champanhe, o que lhe dá o respeito e o desejo das mulheres dos bares que frequenta. O que lhe começa a dar mais trabalho é inventar nomes novos para as sociedades que cria, mas isso lá se vai arranjando.
O Andrei veio da Ucrânia à procura de uma vida melhor. Chegado a Portugal fez tudo como devia. Legalizou-se e só trabalhava com contrato escrito e assinado. Como era bom estar num país moderno e verdadeiramente democrata. Para compensar as saudades de casa, ocupava o espírito no trabalho, que lhe chegava a levar mais de 12 horas por dia.
No entanto, nos seis meses em que cá esteve, só recebeu uns míseros 300 euros, que mal lhe deram para comer. O patrão fugiu, deixando por pagar os meses de salário prometidos. Agora não sabe o que há-de fazer. Não tem dinheiro para regressar e mesmo que tivesse, a vergonha não o deixava. Então é esta a vida melhor?...

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