A entrevista de Manuela Ferreira Leite, ontem, na "Grande Entrevista", de Judite de Sousa, foi exemplar. Exemplar na forma como nos mostrou o lado mais grandioso de se dedicar à causa pública, de forma competente, séria e desinteressada. Exemplar, também, ao avaliarmos o quanto fazem falta na vida política portuguesa personalidades como a ex-ministra das Finanças e a falta que vai fazer na Assembleia da República e, pode-se mesmo dizer, no governo.
Pese embora alguma dificuldade da entrevistadora em acompanhar o ritmo da entrevistada, o programa foi muito interessante. Além das óbvias críticas de "aproveitamento político" que foram feitas ao actual governo na divulgação do défice imaginário e o do desacordo com algumas medidas impostas (ou que se deixaram de impor), notou-se uma intenção de Ferreira Leite em apontar três figuras.
A primeira foi Jorge Coelho, que representa, a meu ver, a antítese da forma como se deve estar na política. Como todos, Ferreira Leite viu em Coelho o rosto da ignóbil e "desonesta" encenação que o actual governo decidiu encetar para poder anunciar um conjunto de medidas impopulares e que os próprios tinham criticado enquanto oposição. É o tal estilo propagandístico, de vozeirão inflamado, vazio de conteúdo, e que, infelizmente, ainda vai fazendo alguma escola.
Jorge Sampaio, e sua célebre tirada existencial sobre o défice também não foram esquecidos. É, de facto, chocante a diferença de tratamento e de apoio que o actual ministro das Finanças tem tido em relação a Ferreira Leite. A ex-ministra disse que tinha ficado magoada na altura, com a falta de apoio por parte do presidente, e mais magoada terá ficado quando vê Sampaio a apoiar o que anteriormente criticou, desdizendo, como se nada fosse com ele, o que anteriormente tinha dito e defendido.
Por último, Durão Barroso também foi visado de forma algo contundente. Apesar de ter dito que Durão Barroso sempre a defendeu e apoiou nos momentos difíceis do seu mandato, a ex-ministra anunciou que tinha ponderado a hipótese de substituir Durão no governo, caso este a tivesse convidado. Se tal tem acontecido, certamente que o governo não tinha caído e o país não estaria em situação tão difícil como está hoje. Em vez disso, incompreensivelmente, o actual presidente da comissão preferiu Santana Lopes.
Na actual conjuntura, e com a falta de quadros que se verifica na nossa vida pública, é, sem dúvida, uma pena que Portugal se tenha dado ao luxo de dispensar uma personalidade como Ferreira Leite.