Direitos adquiridos
Quando vinha para o escritório, ao passar por duas senhoras, ouvi uma, em tom indignado, dizer à outra que não lhe podiam fazer aquilo (o quê não sei), pois tocavam-lhe em "direitos adquiridos".
Tem estado muito em voga, hoje em dia, invocar os direitos adquiridos. Esta figura nasceu para satisfazer alguma segurança das pessoas na sua vida, de modo a que assim pudessem planear melhor o seu futuro e controlar as suas expectativas. As pessoas sabiam que parte do que tinham atingido na sua vida não mais lhes podia ser retirado, mesmo que viesse uma lei nova menos favorável.
No entanto, em Portugal, os direitos adquiridos têm servido muitas vezes para outros fins, que não aqueles para que foram criados e pensados. No nosso país, os direitos adquiridos têm servido também para encobrir situações menos claras e travar reformas.
Os nossos autarcas são especialistas em criar situações deste género. Quantas vezes não vemos situações aberrantes originadas por licenciamentos camarários feitos ao arrepio da lei e da ética que depois não podem ser desfeitas, já que aquele que goza do licenciamento adquiriu um direito que não mais lhe pode negado? Olhe-se, por exemplo, para os últimos instantes do mandato do agora sr. administrador Nuno Cardoso, em que foram atribuídos privilégios de construção incompreensíveis a promotoras imobiliárias que, a não serem cumpridos pelo actual executivo camarário, poderão implicar milhões de euros de prejuízo para o Estado.
Os sindicatos também utilizam até à exaustão esse argumento, dizendo, sempre que há uma lei nova, que esta vai contra direitos anteriormente adquiridos e, como tal, nunca poderá entrar em vigor. Olhe-se para o grande problema dos contratos colectivos de trabalho, completamente anacrónicos, cujo problema tinha sido (a meu ver) bem solucionado no novo Código do Trabalho, e que Carvalho da Silva elegeu para bandeira de luta.
Os direitos adquiridos são muitas vezes utilizados como força de bloqueio, amarrando os decisores a determinadas situações das quais não conseguem sair.
Penso que se deve dar segurança e satisfazer as legítimas expectativas das pessoas, mas também é verdade que, na sociedade actual, encadeada como está, qualquer decisão que se tome vai afectar um sem número de pessoas, que verão sempre afectadas parte das suas expectativas. É um terreno difícil e que a cada dia se vai tornando mais complicado de desbravar.
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