17.6.05

Os exemplos

A entrevista de Manuela Ferreira Leite, ontem, na "Grande Entrevista", de Judite de Sousa, foi exemplar. Exemplar na forma como nos mostrou o lado mais grandioso de se dedicar à causa pública, de forma competente, séria e desinteressada. Exemplar, também, ao avaliarmos o quanto fazem falta na vida política portuguesa personalidades como a ex-ministra das Finanças e a falta que vai fazer na Assembleia da República e, pode-se mesmo dizer, no governo.
Pese embora alguma dificuldade da entrevistadora em acompanhar o ritmo da entrevistada, o programa foi muito interessante. Além das óbvias críticas de "aproveitamento político" que foram feitas ao actual governo na divulgação do défice imaginário e o do desacordo com algumas medidas impostas (ou que se deixaram de impor), notou-se uma intenção de Ferreira Leite em apontar três figuras.
A primeira foi Jorge Coelho, que representa, a meu ver, a antítese da forma como se deve estar na política. Como todos, Ferreira Leite viu em Coelho o rosto da ignóbil e "desonesta" encenação que o actual governo decidiu encetar para poder anunciar um conjunto de medidas impopulares e que os próprios tinham criticado enquanto oposição. É o tal estilo propagandístico, de vozeirão inflamado, vazio de conteúdo, e que, infelizmente, ainda vai fazendo alguma escola.
Jorge Sampaio, e sua célebre tirada existencial sobre o défice também não foram esquecidos. É, de facto, chocante a diferença de tratamento e de apoio que o actual ministro das Finanças tem tido em relação a Ferreira Leite. A ex-ministra disse que tinha ficado magoada na altura, com a falta de apoio por parte do presidente, e mais magoada terá ficado quando vê Sampaio a apoiar o que anteriormente criticou, desdizendo, como se nada fosse com ele, o que anteriormente tinha dito e defendido.
Por último, Durão Barroso também foi visado de forma algo contundente. Apesar de ter dito que Durão Barroso sempre a defendeu e apoiou nos momentos difíceis do seu mandato, a ex-ministra anunciou que tinha ponderado a hipótese de substituir Durão no governo, caso este a tivesse convidado. Se tal tem acontecido, certamente que o governo não tinha caído e o país não estaria em situação tão difícil como está hoje. Em vez disso, incompreensivelmente, o actual presidente da comissão preferiu Santana Lopes.
Na actual conjuntura, e com a falta de quadros que se verifica na nossa vida pública, é, sem dúvida, uma pena que Portugal se tenha dado ao luxo de dispensar uma personalidade como Ferreira Leite.

3 comentários:

Bruno G. Lobo disse...

Concerteza que não a entrevista correcta que viu...

Penso que foi um mito que se desfez ontem com a entrevista da Dr. Manuela Ferreira Leite, e nem consigo perceber muito bem qual a sua pretensão com ela, embora fique sempre com a sensação que o deslumbramento com os elogios a faz pôr-se em bicos de pés.

Dizer que é um erro aumentar o imposto sobre o tabaco e alcool porque só vai aumentar o contrabando é irresponsável.

Mas dizer que aumentar o IVA é mau porque diminui a nossa competitividade com Espanha quando fez exactamente o mesmo (prometendo que não aumentava os impostos em campanha, e recorrendo à encenação da comissão Constância original para o justificar) já é hipocrisia...

Mário Almeida disse...

Na altura quase ninguém, eu inclusive, teve a percepção do erro de lesa-pátria que o Durão Barroso cometeu.
Não só foi embora, como não nos deixou o PSL, o maior bluf político que existiu em Portugal.

Pedro C. Azevedo disse...

A questão do imposto sobre o álcool e tabaco é muito pertinente e faz todo o sentido. Aliás, se assim não fosse, todos os governos utilizariam essa estratégia para aumentar receitas, já que são impostos que levantam muito pouca contestação social.
Em relação ao IVA a explicação que deu foi perfeitamente compreensível. Só por ter aumentado uma vez, não quer dizer que se possa aumentar sempre. Os impostos têm um limite máximo de subida, que, no seu entender, foi agora ultrapassado.
Em relação à "comissão Constâncio", a diferença é que no governo de Ferreira Leite essa comissão trabalhou sobre números reais e não hipotéticos e foi criada porque a comissão europeia se recusava a validar os números enviados pelo anterior governo de Guterres.
Santana Lopes já há muito que mostrava a sua real incompetência e o seu verdadeiro projecto político: ele próprio. Compreendo que por vezes conseguia seduzir uma parte do eleitorado, mas Durão Barroso tinha obrigação de conhecê-lo melhor do que ninguém