23.9.05

O país que temos

O mesmo povo que atestava a sua superioridade intelectual sobre os norte-americanos, a propósito da eleição de George W. Bush, é o mesmo que recebeu, em triunfo e êxtase, a foragida Fátima Felgueiras.
Essa é que é a dura realidade. O povo português, que todos gostam de apelidar de sábio e inteligente, na hora das eleições, é inculto, sem qualquer espírito cívico ou democrático, sem a mínima ideia do que é cidadania.
Desenganem-se aqueles que pensam que isto só acontece por ser em Felgueiras. O mesmo seria perfeitamente possível em cidades tão longe dos centros como Braga, Gondomar, Matosinhos ou Oeiras. Quem frequenta os sítios mais sofisticados do Porto e Lisboa, não conhece o que os rodeia, bem mais próximo deles do que imaginam.
Os portugueses avaliam aqueles que os governam de uma forma bem mais directa e imediata do que aquilo que os nossos líderes de opinião nos gostam de fazer crer.
Sócrates ganhou as eleições por maioria absoluta porque mentiu e disse que não aumentaria os impostos. Todos pensaram que o tempo das facilidades iria regressar. Por isso, agora, lhe falta a legitimidade para avançar a fundo. Por isso os professores, os juízes e os militares gritam que foram enganados, desesperados por perderem os seus privilégios injustificados.
Da mesma forma, um autarca é quase sempre visto como aquele que dá dinheiro, que aprova os projectos porque o conhecemos, lhe damos uma palmadinha nas costas quando o encontramos ou porque nos deve um favor. O autarca é quase sempre a face mais simpática do poder, pois é aquele que reivindica para a nossa terra. E, a partir daí, tudo o que vier é bom, por muito dispendiosa que seja a obra. Quem faz as leis e cobra os impostos são os malandros da capital, mas quem nos dá dinheiro e obra feita é o “Sr. Presidente”.
A juntar a tudo isto, vivemos num país hiper centralizado, onde, como já aqui referi, tudo se passa em Lisboa e alguma coisa (pouca) no Porto. Daí que as outras regiões clamem desesperadamente por atenção e se agarrem a qualquer bandeira que possam ter, por piores que sejam as razões. Por isso é muito difícil um presidente da câmara, que se torne visível a nível mediático, perder eleições em Portugal. Fátima Felgueiras, Mesquita Machado, Narciso Miranda e Valentim Loureiro, entre muitos outros, são as faces mais visíveis das suas cidades. E, numa sociedade centralizada, em que ser conhecido e aparecer na televisão justifica tudo, tal facto é extremamente importante e confere-lhes uma notoriedade muito difícil de combater.
Fátima Felgueiras, para muitos na sua terra, teve o condão de pôr a cidade no mapa, torná-la falada, alvo do interesse nacional e cliente habitual dos meios de comunicação social.
Ninguém duvide que, ontem e anteontem, a imprensa e a televisão, fizeram mais por Fátima Felgueiras do que cem comícios, vinte debates e quinze espaços de tempo de antena.
Entretanto, a nossa democracia vai caminhando para o estado de coma…

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