1.2.06

Uma nova profissão

Um dos fenómenos que demonstra a falta de consciência cívica dos portugueses, é a total disponibilidade que grande parte evidencia em ir ao tribunal, como testemunha, mentir com todos os dentes que tem, teve ou terá, assim que a placa ficar pronta.
Quem frequenta os tribunais rapidamente se apercebe desta realidade. Raro é aquele que não está disposto a dar uma ajuda ao amigo e ir dizer umas “verdades” para o tribunal. Se a coisa correr bem, até são compensados, no mínimo, com uma boa almoçarada.
São sempre pessoas muito esclarecidas, que tudo viram e que de tudo se recordam com extrema facilidade, até que começam a ser confrontados com aspectos menos favoráveis às suas teses, e aí assumem uma postura super defensiva, limitando-se a soltar monossílabos que resvalam facilmente para o confronto verbal (quando isso lhes é permitido) com o advogado da parte contrária.
Com isto, sofre a justiça, já que raro é o caso em que não surgem versões diametralmente opostas, corroboradas por uma série de testemunhas.
Em primeiro lugar, os maiores culpados são as próprias pessoas, partes no processo, que não hesitam em recorrer a todos meios para provar a sua razão, mesmo quando a falta dela é gritante.
A seguir temos os advogados dessas pessoas, que, por vezes, tendo perfeito conhecimento de toda a situação, não movem uma palha para a evitar. Isto quando não são eles próprios a incentivar e a “ensaiar” as ditas testemunhas.
Por último, temos a passividade de alguns juízes. Se todos nós temos o dever geral de dizer a verdade, os juízes têm o dever formal de sancionar esse tipo de situações. O que acontece é que, na maioria das vezes, os juízes, à boa maneira lusitana, preferem passar uma esponja pelo assunto, mesmo quando a testemunha é desmascarada. Isto apenas encoraja ainda mais este comportamento, já que nada há a perder. Se levarem com sucesso os seus intentos, a parte ganha a acção, caso não o consigam, paciência, pelos menos tentaram e ninguém os censurou ou puniu por isso.
Pelo andar da carruagem, quase que se poderia criar uma nova actividade e enquadrá-la na categoria B do IRS: testemunho profissional.

2 comentários:

Politikos disse...

Sem dúvida, alguma. É inacreditável o modo como polícias, delegados do MP e juízes convivem com essa situação sem sequer fazerem uma advertência a essa gente. Até mesmo depoimentos contraditórios não são minimamente sancionados... Um cenário inqualificável...

João Pedro Martins disse...

Devo dizer que já fui uma dessas testemunhas.
Claro que posso sempre argumentar que o processo era irrelevante e o acusado, sendo meu amigo, não tinha feito nada de especial (acredito mesmo que nem sequer era o carro dele...).
O que interessa ressalvar foi a minha prestação brilhante no tribunal, que nem sequer uma advogada chata da parte contrária conseguiu desmascarar!
E como acabou por fazer-se justiça... Tudo está bem quando acaba bem.