21.12.04

Bem-vindo J. Machado

Antes de mais, queria dar-lhe as boas vindas “oficiais” à “Linha do Horizonte”, agora que sei com quem tenho o sincero prazer de trocar algumas ideias. Deixe-me desde já dizer que todas as suas esclarecidas e interessantes contribuições são e serão bem-vindas.
Quanto ao seu comentário ao meu texto "Discutir o voto", de 15.12.04, permita-me discordar quando diz que a minha resposta enferma de um erro de “princípio” quando me proponho “discutir o voto”. Felizmente, pelo menos até que alguém nos consiga provar o contrário, vivemos num regime democrático. E, numa democracia, a arma que, em última instância, temos em nosso poder para tentar mudar o estado das coisas é exactamente o voto. Apesar de insuficiente (pelo menos para os mais inconformados e atentos) é o meio que nos fornecem, à partida, para que as nossas vontades e indignações não sejam ainda mais inconsequentes, tal como diz, e muito bem, no final do seu texto. Através do voto mostramos e exercemos a nossa vontade de corrigir as tais assimetrias que continuam a caracterizar e a minar o desenvolvimento do nosso país. É com o voto que concordamos ou discordamos da nossa vertente europeísta (da qual sou um acérrimo defensor) e a nossa política externa. É com ele que podemos (valha-nos pelo menos a ilusão) manter ou mudar as políticas em curso numa determinada altura.
Daí a minha profunda tristeza de ver a que estado chegámos, ao não conseguir apresentar um único candidato que nos ofereça uma ideia minimamente sustentada do que pretende para Portugal, um pacote de reformas concretas para impor nesta administração pública, sempre tão pesada e adversa à mudança, em todos os seus sectores, enfim, um projecto elucidado sobre o caminho a seguir.
Estamos num ponto em que mesmo a solução de recurso, que é o voto útil, não será defensável ou minimamente motivadora.
Por tudo isto, acho importante discutir o voto, ainda que partilhe da sua opinião de que nem só através dele podemos intervir e que devemos procurar outras formas de acção. Também eu louvo o aparecimento de movimentos cívicos, desde que não sirvam simplesmente para esconder “lobbies” e interesses acomodados, e penso que, em grande medida, cabe-lhes a eles dar o alerta e mostrar possíveis saídas, já que, mais do que os próprios partidos, são os membros desses movimentos que contactam verdadeiramente com as dificuldades, que têm de enfrentar os problemas e a quem interessa encontrar as soluções. Agora, o que não podemos é abstermo-nos de criticar e de discutir os nomes que nos são propostos pelos partidos políticos, com a simples desculpa de que pouco podemos fazer e de que este sistema faliu. É nele e com ele que vivemos. Apesar de tudo o que se possa dizer, a democracia é o melhor sistema que já foi proposto e testado, e os partidos políticos o melhor modo de o efectivar. Temos é de lutar para que daí venha ao de cima o melhor, o que, em meu entender e ao contrário de acontece noutros países, está longe de acontecer em Portugal. A democracia é feita de equilíbrios, e o que acontece é que, neste momento, a balança está nitidamente em desequilíbrio, em favor dos medíocres e defensores dos seus próprios interesses.

Descendo mais ao concreto, como muito bem fez no seu comentário, dada a minha idade não posso dizer que tinha visto muita coisa. O que posso dizer é fruto do que leio, do que ouço outros dizerem e fruto de alguma (pouca) experiência adquirida.
Não há dúvida de que grande parte do nosso crescimento económico é fruto da construção civil (que grande exemplo, a nossa cidade), com toda a instabilidade e precariedade em que esse crescimento se traduz. Para já não falar nos custos ambientais, culturais e estéticos nas nossas cidades.
Apesar de estarmos a viver uma situação complicada, permita-me que não seja tão pessimista em relação à nossa Indústria, já que conheço bons exemplos tanto no calçado, como no têxtil. E não duvide que parte de fábricas e indústrias que fecham portas devem esse facto mais à incompetência e abuso dos seus sócios, do que ao estado da nossa economia. Deparo frequentemente com falências vergonhosas, em que a empresa até continuava a ter encomendas, mas em que a ganância e gestão danosa dos sócios levou todos (excepto os próprios) à ruína.
Portugal tem capacidade criativa e penso que os portugueses, devidamente estimulados, conseguem ser produtivos.
Também eu olho com espanto para a proliferação das grandes superfícies comerciais, própria de países de terceiro mundo e encaradas pelo poder local como uma tábua de salvação na geração de empregos, de receitas e de obra feita para apresentar em eleições.
Já quanto à Agricultura concordo que a situação é alarmante, mas não deixa de me causar alguma perplexidade certos investimentos, com grande sucesso, feitos por produtores agrícolas estrangeiros (principalmente alemães e holandeses) no nosso Alentejo, sempre tão desvalorizado e parco em recursos naturais.
Em relação à Saúde não me vou pronunciar em profundiade, deixando, em relação a esse tema, que se pronunciem os outros membros deste blog, verdadeiramente vocacionados para essa área. O que posso dizer é que o estado de alguns dos nossos hospitais chega a ser degradante, e que as longas listas de espera não podem deixar ninguém descansado. No entanto, ainda não vi ninguém conseguir refutar as traves mestras da reforma que foi feita por este ministro da Saúde, parecendo-me que são as corporações e defensores de interesses instalados, como alguns sectores da classe médica, da enfermagem e da indústria farmacêutica que mais se preocupam em lançar o descrédito (ler, aliás, o artigo do insuspeito Correia de Campos, a esse respeito, no Público da passada sexta-feira).
Em relação à Justiça, essa, sim, uma área que contacto diariamente, só posso dizer que não funciona. Os tribunais são lentos, a sua máquina é pesada e não estão preparados para decidir. Os juízes têm um poder descontrolado, que usam a seu belo prazer, e quando querem verdadeiramente trabalhar e decidir encontram-se atolados de processos. O excesso de faculdades de direito levou à sobrelotação da advocacia, levando a uma concorrência desenfreada e sem regras, em que quem sai penalizado é o cidadão. Os tribunais estão a cair, não tendo dignidade, e alguns, novos, feitos de raiz, parecem adequados a tudo, menos a servir a Justiça.
E, como é óbvio, nunca seremos um país desenvolvido se a mais que propalada Justiça Fiscal continuar a ser uma miragem.
Quanto à sobrevalorização do Ministério das Finanças, penso que, apesar de não podermos ser autistas e demasiado redutores nesse domínio, Portugal vive um momento dramático na sua fazenda pública, e nenhum ministério, muito menos da Economia, poderá, em minha opinião, funcionar enquanto a situação se mantiver. Daí que ache que, neste momento, teremos de centrar obrigatoriamente grande parte das nossas forças no controlo do défice púbico.

Outras medidas haverá que poderão ajudar este país, algumas com efeitos, se não a curto prazo, pelo menos a médio prazo.
Podíamos começar logo pela limitação dos mandatos dos presidentes das autarquias, que, ninguém duvide, são o principal cancro do nosso poder político. Debaixo do seu domínio dá-se cobertura a todo o tipo de jogadas, promovendo-se promiscuidades e favorecimentos pessoais. Em Portugal criaram-se autênticos feudos, dominados por alguns, onde não consegue sobreviver a verdadeira iniciativa e movimento democráticos. Aí, reina a corrupção, o tráfico de influências e o compadrio.
Sem dúvida que muitos suspiram por um relaxamento dos impostos, mas isso nunca poderá acontecer enquanto a máquina fiscal continuar a ser pouco eficiente e ineficaz, apesar de alguns progressos que têm sido feitos. Aliás, é voz corrente entre os especialistas de direito fiscal que, antes de haver preocupação em fazer alterações legislativas, deveria haver uma genuína vontade de procurar aplicar a lei existente, fornecendo mais e melhores meios à administração fiscal. E depois temos sempre a velha questão, como é que alguém há-de conseguir dominar verdadeiramente uma lei se ela está constantemente a ser mudada ou alterada?

Como corro o sério risco de já me ter tornado fastidioso e entediante, fico, para já, por aqui.
Não duvide, no entanto, que também eu tenho consciência da minha inconsequência, mas talvez consiga enfrentar melhor o dia-a-dia se pensar que fiz um mínimo de esforço para ser ouvido. E, apesar de concordar que os partidos não encerram em si mesmos a liberdade democrática, penso que é importante discutirmos nomes, nem que seja para dizermos que queremos que nos dêem outros.

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