15.12.04

Discutir o voto

Só hoje vi, antes de me deitar, o comentário ao meu “post” sobre a possibilidade de existência de um voto útil nas próximas eleições legislativas, escrito no dia 6.12.04.
Antes de mais, queria lamentar que o comentário tenha sido anónimo. As ideias nele contidas, apesar de vagas, demonstram que são de uma pessoa atenta e preocupada com o futuro do nosso país, pelo que todos teríamos a ganhar se revelasse a sua identidade, até para nos podermos confrontar em futuras participações.
No entanto, queria esclarecer que a “Linha do Horizonte” permite todo o tipo de discussão e ideologias políticas, não pretendendo ser um blog de esquerda ou direita. Aliás, só terá a ganhar se a sua participação for o mais plural possível, abrindo-se a todo o tipo de orientação.
Tal facto não impede, porém, que os seus mais directos contribuidores exprimam os seus próprios pensamentos políticos, dizendo, também eles, o que acham possa ser a melhor solução para o país, não se coibindo de criticar o que pensam estar mal, seja na esquerda, seja na direita.
Em relação ao comentário propriamente dito, permita-me discordar quando diz que este blog pretende dividir de um lado os bons (a direita) e do outro lado os maus (a esquerda). Parece até um comentário que já tinha sido previamente preparado e só estava à espera de uma mínima janela de oportunidade para aparecer. O que acontece é que errou no alvo. No que eu escrevi, vê-se perfeitamente a ideia de descontentamento e desilusão com ambos os lados, por isso a questão de saber se não poderá haver um voto negativo.
Além disso, parece-me uma perfeita utopia exigir um “tronco comum”, uma unanimidade inalcançável, em que todos se unissem para participar num mesmo projecto. Parece, aliás, mais próprio de alguém que se limita a seguir realidades inatingíveis, dizendo o que é óbvio, perdendo-se em generalidades, recusando-se a descer ao concreto, às pessoas em questão, abstendo-se de procurar intervir e mudar realmente a situação. É fugir do problema, do drama, que atravessa hoje o país. Vamos a eleições num futuro próximo e não se conseguiu encontrar uma solução credível, minimamente capaz de tirar este país da difícil situação em que se encontra.
É de notar que todos os factores que apresenta como sendo as principais causas da situação em que nos encontrámos são, em parte, da responsabilidade das pessoas que, segundo diz, dever-se-iam unir, com o objectivo de alterar o estado de coisas.
Acontece que me recuso a entoar, também eu, essas vacuidades e lugares comuns que estão à vista de todos e que todos apontam como sendo a direcção a seguir, mas que poucos, até hoje, ousaram assumir. Não me importo de discutir nomes e personalidades e dizer delas o que penso. Não gosto do populismo de Santana e de Portas, nem do amnésico Coelho, nem do narcisismo de Louça ou do pré-histórico Jerónimo como não gostei de Guterres e Soares e como admirei e admiro Cavaco, Marcelo, Pacheco Pereira, entre outros, e preferia mil vezes Vitorino a liderar do que a servir de desculpa e de porta estandarte para toda e qualquer política de um candidato vazio, demasiado igual aos que lá estão, sem chama e qualquer projecto para o país que não o seu próprio discurso e imagem.
Espero que participe mais vezes, seja antes ou depois de eu acordar…

2 comentários:

Anónimo disse...

Enferma a sua resposta de um erro de “princípio” e de “princípios”.
Erro de “princípio” porque desde logo se intitula como “Discutir O Voto”.
De facto, entendo ser muito mais importante discutir o País, as suas assimetrias, os seus estrangulamentos, as carências das nossas principais cadeia produtivas, o nosso enquadramento e o nosso papel na União Europeia, as nossas relações com os países extra-união, as nossas dependências face a alguns parceiros internacionais, a influência que os mercados asiáticos (China, Índia,.......) têm e vão ter no futuro da economia mundial, do que colocar-me numa posição de expectativa face a um possível “voto útil”.
Não me parece que a sua posição, que também reconheço ser interessada, possa, tal com acontece com a minha, modificar qualquer coisa neste país.
“Discutir o Voto” é colocar nos outros, leia-se nos partidos políticos, a definição, em exclusivo, do que vamos ser.
Louvo a atitude do “Compromisso Portugal” que decidiu reflectir sobre estas questões, independentemente de concordar ou não com as suas conclusões (que, aliás, desconheço), mostrando e demonstrando uma atitude cívica que pode ser, pelo peso institucional de que gozam, uma forma de apelar à participação dos portugueses na discussão do que nos preocupa.
Devo referir que este posicionamento já foi tentado há muitos anos por uma personalidade que, lamentavelmente, foi derrotada em eleições presidenciais. Propunha o caminho para conjugar vontades e representava uma intenção inequívoca para gerar consensos alargados.
Foi derrotada e ganharam os partidos políticos. Perdeu-se mais uma oportunidade.
Erro de “princípios” (note que não pretendo agredir a sua opinião, antes rebater a forma como se posiciona), porque afirma estar disposto a discutir nomes e personalidades e eu recuso-me a ir apenas por aí. Dir-lhe-ia, se seguisse esse caminho, que confiaria mais em Victor Constâncio, em Eduardo Lourenço (que pensa Portugal como português) e em Miguel Cadilhe.
Tenho especial simpatia por Marcelo como observador e crítico do que somos e do que temos mas não acho que fosse uma referência mobilizadora para grandes empenhamentos por parte dos portugueses. Entendo que Pacheco Pereira acrescenta muito pouco, ou nada, à realidade daquilo que somos. Cavaco Silva teve a sua oportunidade e também a desbaratou. Foi um dos governantes que mais fundos comunitários teve à sua disposição e não foi capaz de construir um país consolidado na sua economia e nas suas perspectivas de futuro.

Tenho a sorte de estar profissionalmente ligado a uma actividade que me permite acompanhar, de uma forma privilegiada, o pulsar diário da economia.

Vi como o modelo de crescimento baseado no cimento orientou os empresários para uma actividade ligada à construção que consumiu divisas e nos endividou face ao estrangeiro.
Vi como as cadeias produtivas do cimento e do aço se tornaram dependentes do estrangeiro. Vi como não foi pensado criar a montante a indústria necessária para abastecer os nossos construtores civis.
Vi como a nossa indústria vidreira perdeu o compasso em relação ao estrangeiro. E o gás? E os combustíveis?.
Vi uma indústria do calçado ser malbaratada quando tinha excelentes condições para se tornar competitiva e ganhadora.
Vi uma indústria têxtil suicidar-se quando poderia ter ganho mercados e posicionamento na economia mundial.
Vi a nossa agricultura suicidar-se através de empresários sem qualquer preparação.
Vi os nossos empresários de quase todos os sectores, há honrosas excepções, tentando ganhar mercado sem investirem na organização, na produtividade, na “marca”, na tecnologia, baseando-se em baixos salários e na depreciação do valor do escudo.
Ainda agora os grandes investimentos dos empresários nacionais se viram para as grandes superfícies comerciais (mais consumo, mais importações, mais desequilíbrio da nossa balança comercial).
Vi a Administração Pública tornar-se num imenso monstro Kafkiano. A saúde deteriorar-se todos os dias (conhece, evidentemente, o drama de milhares de utentes que não possuem meios económicos quando recorrem aos serviços médicos e de assistência).
Não acredito que não seja possível criar consensos alargados:
- Na Educação: criando uma lei de Bases do Sistema Educativo com um horizonte de dez anos e dotada de meios que flexibilizem a sua aplicação ao longo dos tempos, gerando cidadãos com capacidade técnica, científica e empreendedora;
- Na Administração Pública: rentabilizando os serviços, dotando-os de meios de controlo eficazes e de mecanismos de avaliação “premiadores” dos melhores desempenhos
- Na Fiscalidade: avançando medidas duras e determinantes que controlem a fuga às responsabilidades fiscais;
- Na Justiça: lutando contra o corporativismo paralisador de actividades.

De facto, como diz, todos conhecem os estrangulamentos que condicionam a vida e o dia a dia da sociedade civil e pública, mas não tem havido vontade política para corporizar uma alternativa de governo capaz de gerar e de gerir a mudança.

Não acredito em Blocos Centrais, nem lhe chamaria Pacto de Regime, antes Plataforma Comum para a Mudança, apoiada e reconhecida pelos partidos políticos e por um leque alargado de organismos representativos da sociedade, que definisse um projecto para duas décadas, política e socialmente controlado.

Obviamente que não me compete a mim, nem disponho dos dados macro-económicos suficientes para sugerir medidas adequadas que ajudem a solucionar os problemas gravíssimos que o país atravessa.

No entanto, posso sugerir:
- Que se analisem as principais cadeias produtivas portuguesas por forma a detectar os principais estrangulamentos, criando mecanismos capazes de anular a nossa dependência face ao exterior;
- Que se avance para um consequente choque fiscal que incentive toda a actividade capaz de gerar exportações e de substituir importações, toda a actividade que gere mais produtividade, mas que penalize tudo o que seja gerador de mais consumo;
- Que se implemente um choque tecnológico gerador dos ganhos de produtividade necessários para podermos recuperar o atraso relativamente às outras economias europeias.

Obviamente que sou tão inconsequente quanto o é o Pedro.

De facto, não disponho de uma estrutura que seja centro de poder e de mudança, mas creio que já percebeu porque entendo defender, em qualquer circunstância, um Governo que dê relevo ao ministro da Economia em detrimento do ministro das Finanças, ou que, pelo menos, não subalternize as medidas geradoras de mudança e de riqueza relativamente às que se preocupam apenas com o controlo orçamental (também fundamental para garantir o crescimento da economia).

O anónimo foi um lapso.
J.Machado

Anónimo disse...

Em tempo, e para que não surjam mal entendidos, devo referenciar que os Governos PS também não deram, em minha opinião, contributos que mereçam referência como sendo estruturantes da economia portuguesa.
Aconselho a leitura dos artigos insertos na Pg. 14 do Diário Económico. Vivi a crise do princípio dos anos 90 em pleno Vale do Ave (Vizela). Os erros cometidos e então perfeitamente identificados, sobretudo nos têxteis e no calçado, não serviram como referência para reorientar os projectos e as estratégias de desenvolvimento.
Seguiram-se governos PS e PSD. Com que resultados?
J. Machado