7.2.05

As repercussões da doença nos médicos (Parte II)

Há umas semanas atrás, referi-me aos processos mentais desencadeados instintivamente pelo profissional de saúde quando tem que lidar com pessoas em sofrimento. Esses processos de defesa permitem reduzir os elevados níveis de ansiedade do médico, melhorando assim o seu desempenho, mas podem afectar a relação médico-doente.
Uma outra situação ocorre quando é o próprio médico a ter uma doença grave: o médico e o doente são a mesma pessoa e o caso adquire contornos ainda mais dramáticos e irónicos quando o médico se torna vítima de uma doença que por ele foi combatida ao longo da sua vida. De facto, durante a sua carreira profissional, o médico vai estudando e conhecendo ao pormenor algumas doenças (de acordo com a sua especialidade) e vai adquirindo um controlo progressivo sobre os processos patológicos de modo a que, mesmo não sendo possível a cura, possa atrasar a progressão da doença e eliminar os sintomas mais incómodos. Muitas vezes usando os mecanismos de defesa atrás descritos, a doença transforma-se numa entidade que ele manipula no seu dia-a-dia. É, portanto, fácil de compreender que a descoberta de um sinal da doença em si mesmo se revele chocante e que conduza, não raras vezes, a um processo de negação. O médico tenta, deste modo, adiar o inevitável, ignora durante algum tempo as evidências e atrasa, por vezes irremediavelmente, o pedido de ajuda. O desempenho do papel de doente é difícil para grande parte da população comum mas no caso do médico acometido por uma doença é ainda mais problemático. Com efeito, o assumir da doença, o desejo e a disponibilidade de ser submetido a procedimentos de diagnóstico e de tratamento exige uma reformulação radical dos comportamentos de um indivíduo que se vê atacado pelo mal que aprendeu a combater nos outros.

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